Por: Geraldo Galindo (*)
"Samária levará sobre si a sua culpa, porque se rebelou contra o seu Deus; cairá à espada; seus filhinhos serão despedaçados, e as suas mulheres grávidas serão fendidas" (de Oseias 13:16).
Inaceitável, mas previsível. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (www.atea.org.br) idealizou uma campanha de combate ao preconceito contra os livre-pensadores - pessoas que não se dobram, não se submetem e nem se amedrontam diante dos dogmas, ameaças e chantagens dos livros “sagrados”. Salvador foi escolhida com uma das três capitais para veicular nos ônibus as mensagens da entidade sediada em São Paulo. A primeira iniciativa surgiu em Londres, passou por Madri, chegou ao EUA e Canadá e agora chegaria ao Brasil, país essencialmente cristão, onde a laicidade do estado assegurada na constituição é rigorosamente uma farsa – basta ver as bíblias e os símbolos do cristianismo no parlamento, no judiciário e nas demais repartições públicas.
A empresa Fast Mídia, responsável pela publicidade nos ônibus em Salvador, suspendeu a veiculação das peças alegando, segundo a imprensa, que “ a publicação contraria Lei Municipal que versa sobre proibição de anúncios que favoreçam ou estimulem qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, sexual, social ou religiosa.
Antes de entrar no mérito dos argumentos acima, diria que nós ateus, até mesmo entre amigos e parentes somos vistos assim: apesar de ateu, é gente boa, ou seja, ateu é sinônimo da perversão, de criminalidade, de violência e de tudo de ruim que possa existir, quando isso é rigorosamente falso. Um estudo feito nos Estados Unidos indica que ao contrário do que possa parecer, quanto mais o estado é religioso, maior é o índice de criminalidade. Quanto menos religiosidade, menos violência. Pesquisas nos colocam como o segmento mais rejeitado na sociedade – estamos empatadados com os usuários de drogas, grupo pelo qual devotamos imenso respeito e solidariedade. 42% da população sentem antipatia ou coisa pior por aqueles que não acreditam em seres extraordinários, como deuses, santos, bruxas, saci-pererê, boitatá, fantasmas etc.
Para ilustrar o quadro, colocaria aqui o trecho de um artigo de uma pessoa supostamente avançada e progressista, o nosso amigo Frei Beto, que a propósito de defender a presidente Dilma de não ser atéia, saiu com essa pérola:
“nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar com violência, os templos vivos de deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento”. Não tem muitos dias, o famoso apresentador Datena detonou os ateus, os associando à violência e à criminalidade que assolam o país (sobre esse tema escreverei um artigo específico). O desafio que faria ao primeiro seria que encontrasse um único torturador que não se declare cristão e ao outro de identificar um único bandido que se diga ateu. A propósito, o que dizer dos crimes de pedofilia perpetrados por padres protegidos por seus superiores? Seriam ateus esses criminosos vestidos de bata com seus enormes crucifixos? Tem coisa mais violenta que o trecho bíblico que abre esse texto? A bíblia sentencia de morte não só os que não acreditam em deus, mas também os que acreditam em outros deuses.
Mas voltemos às peças publicitárias e aos argumentos da Fast Mídia. A primeira peça traz foto de Charles Chaplin ao lado da de Hitler, dizendo que o primeiro é ateu e o segundo um cristão e conclui: “religião não define o caráter”. O que tem de ofensivo ou discriminatório a quem quer que seja essa afirmativa peremptoriamente verdadeira? A mensagem quer esclarecer aos cristãos pouco esclarecidos que para ter caráter não necessariamente tem que se acreditar em deuses, ao contrário do que eles aprendem nas igrejas e templos.
A segunda traz um desenho de três deuses e a mensagem: “somos todos ateus com os deuses dos outros. Isso quer dizer que quando um cristão não acredita em outro deus ele também é em certa medida ateu, da mesma forma que os devotos do outro deus não acreditam no deus cristão. A nossa diferença para os crentes em todos os deuses, é que eles só acreditam em um deus a mais do que nós e nós concordamos com os argumentos deles pra dizer que os outros deuses não existem, mas também não acreditamos no dele.
A terceira diz que a fé não dá respostas, só impede perguntas. Isso quer dizer que os livros "sagrados" não oferecem respostas a perguntas fundamentais e que terminam por se transformar numa prisão para os adeptos. A última divulga: " se deus existe, tudo é permitido". É uma contraposição a uma frase de Dostoievski, no livro Os Irmãos Karamazovsk, onde um dos maiores escritores do mundo afirma que "sem deus, tudo é permitido", o que pode levar a crer que os não crentes sejam capazes de atos imorais. A Santa Inquisição as Cruzadas da Igreja Católica não foram feitas em nome de deus? Os muçulmanos que destroçaram as torres gêmeas não o fizeram em nome do profeta Maomé?
Veja como o gerente da empresa de veiculação é taxativo na entrevista ao A Tarde: “Não vamos veicular. No meu entender, está clara a ofensa religiosa”. Na verdade, o que está claro aqui, não é nenhuma ofensa religiosa, mas o preconceito que o tal gestor e boa parte da população tem contra os ateus e agnósticos. O problema é que, ao bloquear uma propaganda que não tinha nenhuma ofensa aos tementes a deus, a repercussão do fato foi até maior do que umas poucas placas que circulariam pelas ruas da cidade. Mas, para assegurar a liberdade de expressão e de ter e não ter religião, tomaremos medidas jurídicas para que o obscurantismo não prevaleça sobre liberdade.
Geraldo Galindo é membro da ATEA