Tradução do artigo de Michael Liebreich – consultor sênior da BloomberNEF – 12/12/2022
Liebreich: The Unbearable Lightness of Hydrogen
Há dois anos, a
BloombergNEF publicou minha cartilha em duas partes sobre hidrogênio, Separating Hype from Hydrogen.
Do lado da oferta, eu estava otimista: o hidrogênio verde (produzido a partir
de energia renovável) com o tempo se tornaria mais barato que o hidrogênio azul
(produzido a partir de gás natural, mas com carbono capturado) e,
eventualmente, mais barato que o hidrogênio cinza (produzido a partir de gás
natural sem captura de carbono).
Do lado da demanda,
eu era cético. Embora o hidrogênio limpo seja necessário para descarbonizar
vários casos de uso na indústria e talvez para armazenamento de longa duração,
achei difícil identificar qualquer função para ele em aplicações como
transporte terrestre ou aquecimento de ambientes. Desde então, como tenho
trabalhado mais com aquecimento industrial, cheguei a acreditar que ele tem um
papel limitado mesmo lá.
Se minha intenção
na época era injetar alguma realidade nas discussões sobre o hidrogênio, falhei
claramente. A retórica em torno do hidrogênio tornou-se cada vez mais
exagerada.
De acordo com o
grupo lobista Hydrogen Council, citando uma série de relatórios encomendados
pela McKinsey nos últimos três anos, espera-se que o hidrogênio contribua com
mais de 20% das reduções de emissões necessárias para o mundo atingir emissões
líquidas zero – um número repetido por políticos e jornalistas aparentemente
sem o menor exame crítico.
O chanceler alemão
Olaf Scholz chamou o hidrogênio de “o gás do futuro” e prometeu “um enorme
boom”. O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, declarou que “mudar para
uma sociedade de hidrogênio e desenvolvê-la é fundamental para alcançar a
descarbonização”. Frans Timmermans, vice-presidente executivo da União Europeia
(UE) para o European Green Deal, acredita que “hidrogênio é massa”. Jacob Rees
Mogg, brevemente Secretário de Estado de Energia do Reino Unido este ano,
chamou o hidrogênio de “a bala de prata”.
O dinheiro público
começa a fluir. A UE aprovou os primeiros 13 bilhões de euros (US$ 13,7
bilhões) dos 430 bilhões de euros (US$ 450 bilhões) prometidos em sua
Estratégia de Hidrogênio para 2020 e agora está trabalhando para lançar um
“Banco de Hidrogênio”. A Lei de Redução da Inflação (IRA, Inflation Reduction
Act) dos Estados Unidos oferece um desconto fiscal de dez anos por quilo de
hidrogênio verde no valor de US$ 3, que em breve será mais do que o próprio
custo de produção. Hidrogênio grátis, quem quer?
De suprema
importância
Em outubro deste
ano, o Hydrogen Council e a McKinsey divulgaram outro relatório
intitulado Global Hydrogen Flows,
prevendo o transporte de longa distância de 400 milhões de toneladas de
hidrogênio limpo e seus derivados (calculado com base no conteúdo de
hidrogênio) até 2050, da produção global total de 660 milhões de toneladas de
hidrogênio. Vale lembrar que, hoje, 94 milhões de toneladas de hidrogênio são
usadas anualmente, praticamente todo obtido a partir de combustíveis fósseis,
gerando 2,3% das emissões globais. A maior parte do hidrogênio de hoje nunca
sai do composto no qual é feito, muito menos cruza uma fronteira internacional.
A ideia de
importações de hidrogênio como forma de descarbonizar as principais economias
industrializadas é extremamente sedutora – tanto que a Alemanha e o Japão o
tornaram central em suas estratégias de descarbonização. Aqui está o PM japonês
Kishida novamente: “O Japão pretende comercializar uma cadeia internacional de
abastecimento de hidrogênio, produzindo hidrogênio a granel a baixo custo em
países abençoados com abundantes recursos de energia renovável juntamente com
infraestrutura de transporte marítimo”.
O chanceler Scholz
está promovendo as importações de hidrogênio não apenas como uma forma de
descarbonizar a economia alemã, mas como um substituto para o gás russo. Em
agosto, ele e o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau voaram para
Newfoundland e Labrador para assinar um acordo para “criar uma cadeia
transatlântica de abastecimento de hidrogênio bem antes de 2030, com as
primeiras entregas previstas para 2025”. Enquanto escrevo isso, o ministro da
Economia alemão, Robert Habeck, está em uma viagem de cinco dias à Namíbia e à
África do Sul para garantir o abastecimento de hidrogênio.
O problema com essa
visão de importações de hidrogênio em larga escala é que é improvável que a
física do hidrogênio funcione.
A insustentável
leveza do hidrogênio
Em fevereiro deste
ano [2022], o Suiso Frontier da Kawasaki Heavy Industries [primeiro
navio transportador de hidrogênio líquido do mundo] chegou a Kobe, no
Japão, carregando a primeira carga mundial de hidrogênio líquido da Austrália.
Esta importante ocasião marcou o início de um admirável mundo novo de comércio
de hidrogênio líquido, como sugeriu a cobertura da imprensa? Em uma palavra,
não.
Reserve o custo de
AU$ 500 milhões (500 milhões de dólares australiano, ou US$ 334 milhões) do
projeto; deixe de lado o fato de que a maior parte do hidrogênio a bordo do
Suiso Frontier foi produzido a partir de carvão, e deixe de lado o incêndio que
ocorreu a bordo durante o carregamento. Os 1.250 metros cúbicos de hidrogênio
transportados pela Suiso Frontier continham apenas 0,2% do conteúdo energético
de um único grande transportador de GNL. Ok, a primeira carga de GNL,
transportada há 63 anos do rio Calcasieu no Golfo da Louisiana para o Reino
Unido, consistia em 2.475 toneladas igualmente insignificantes. Certamente o
hidrogênio líquido pode ser ampliado da mesma forma que o GNL? A Kawasaki Heavy
Industries, construtora da Suiso Frontier afirma que já alinhou o primeiro
pedido para um número muito maior, transportadora de 160.000 m³ da Nippon Kaiji
Kyokai.
É aqui que a física
do hidrogênio líquido entra em ação. Embora o navio ampliado carregasse 60% do
volume de um GNL Q-Max, ele carregaria apenas 22% da energia.
O hidrogênio tem
densidade de energia gravimétrica muito boa – a quantidade de
energia transportada por unidade de peso. Nesta medida, o hidrogênio supera o
diesel, a gasolina e o combustível de aviação por um fator de cerca de três, e
o GNL por um fator de 2,7 – e é por isso que é um ótimo combustível para
foguetes. No entanto, tem densidade de energia volumétrica muito
pobre - a quantidade de energia transportada por unidade de volume. Vale
lembrar que, enquanto um metro cúbico de água pesa 1.000 quilos, um metro
cúbico de hidrogênio pesa apenas 71 quilos.
Em uma base
volumétrica, a densidade de energia do hidrogênio é um quarto do combustível de
aviação e apenas 40% do GNL. Como os navios têm volume limitado (pense no Canal
de Suez, no Canal do Panamá etc), isso inevitavelmente significa mais viagens.
Mesmo que a Kawasaki Heavy Industries escalasse seu transportador de hidrogênio
para o mesmo tamanho de um Q-Max, seria necessário fazer 2,5 entregas para
transportar a mesma quantidade de energia que uma carga de GNL. Você não
precisa saber nada sobre frete para saber que 2,5 vezes mais viagens vai custar
2,5 vezes mais.
Mas este é apenas o
começo. Um transportador de hidrogênio líquido será inevitavelmente mais caro
do que um transportador de GNL. Sua carga será de -253°C em vez de -162°C, e
todos os tubos, válvulas, bombas e tanques devem resistir à fragilização por
hidrogênio [fenômeno químico, reação entre o hidrogênio e o aço que leva à
perda de elasticidade e resistência à tração deste último]. E, como o
hidrogênio líquido é mais frio e mais leve que o GNL, o navio de hidrogênio
líquido teria até nove vezes mais ebulição no caminho (esses navios deixam
parte da carga evaporar quando o calor entra nos tanques e, em seguida, usam
isso como combustível para seus motores), a menos que você adicione muito mais
isolamento ou um complexo sistema de reciclagem criogênica.
No geral, seria
sensato assumir que o segmento transoceânico de seu comércio de hidrogênio
custará cerca de quatro vezes o custo do GNL por unidade de energia.
É a física,
estúpido
Mas isso trata
apenas do segmento transoceânico. Ainda temos que falar sobre liquefação e
regaseificação.
A liquefação do
hidrogênio é um processo que consome muita energia, tornado complexo pelas
peculiaridades da física do hidrogênio – coisas como seu efeito Joule-Thomson
negativo (ao contrário da maioria dos gases, o hidrogênio esquenta quando se
expande e esfria quando comprimido) e a conversão orto-para de isômeros (sem a
qual o hidrogênio líquido evapora novamente, independentemente do isolamento).
A liquefação do hidrogênio consome atualmente 30-40% de seu conteúdo
energético, contra não mais de 10% para o GNL. Formas de melhorar isso estão
sendo pesquisadas, mas nada pode mudar o fato de que liquefazer hidrogênio é,
simplesmente, um parto.
Quanto à
regaseificação, novamente as usinas serão mais caras do que para o GNL.
Precisam operar em temperaturas mais baixas; todas as válvulas, bombas,
tubulações e tanques devem resistir à fragilização; e os compressores devem ser
de maior capacidade porque a pressurização do gás hidrogênio requer mais
trabalho do que a pressurização do gás natural. Políticos europeus, lutando
para construir novos terminais para receber GNL em substituição ao gás russo,
estão sugerindo que esses terminais sejam reaproveitados para receber
hidrogênio ou seus derivados. Isso não faz sentido. Você pode reutilizar as
docas e a infraestrutura, e quaisquer dutos de distribuição podem ser
atualizados, mas 70% de todo o resto deve ser descartado.
Em resumo, enquanto
o GNL aproximadamente dobra o custo do gás fornecido por gasoduto, o transporte
de hidrogênio líquido custará de quatro a seis vezes mais do que o GNL. Em
outras palavras, você não pode alimentar uma economia com hidrogênio líquido
importado, e isso não é por causa de coisas que podem ser corrigidas – escala,
tecnologia, custo de capital e assim por diante – mas por causa da física
subjacente: densidade volumétrica, liquefação temperatura e interações com
outros materiais.
É um gás, gás,
gás!
Se a importação de
hidrogênio na forma líquida está fora de questão, que tal importar o hidrogênio
na forma de gás?
Aqui, as coisas
parecem muito melhores. O hidrogênio gasoso já é transportado por dutos – todos
os tubos, bombas, válvulas e tanques precisam ser projetados adequadamente, mas
os custos não são terríveis. Da mesma forma, dado o volume de hidrogênio que
vamos precisar em “centros de hidrogênio” industriais para usos industriais e
para fornecer energia de backup de longa duração.
A simples
substituição da produção atual de hidrogênio cinza e preto criaria uma demanda
de 94 milhões de toneladas de hidrogênio limpo. As importações de dutos estão
bem posicionadas para atender a uma proporção decente disso.
Há, no entanto, uma
ressalva. O maior gasoduto do mundo (excluindo ramais laterais) é o Gasoduto
Nacional de Unificação (GASUN) do Brasil, com pouco menos de 5.000 quilômetros
de extensão. Em seu relatório sobre o comércio de hidrogênio, a McKinsey e o
Hydrogen Council preveem 40 “rotas comerciais” de hidrogênio conectando o
globo. Aqueles que servem a Europa por oleoduto da Noruega, Norte da África e
Golfo são certamente viáveis (o da Rússia está claramente fora de questão há
décadas). No entanto, nenhuma das rotas comerciais mais longas que ligam a
costa oeste dos EUA com a Ásia, a Costa Leste dos Estados Unidos com a Europa,
ou o Golfo, a África ou a Austrália com a Ásia são prováveis para carregar um
único metro cúbico de hidrogênio gasoso.
Existem algumas
empresas que propõem transportar gás hidrogênio comprimido por navio. Isso lhes
permitiria evitar o custo e a complexidade da liquefação, mas os exporia aos
mesmos problemas de menor densidade de energia volumétrica, só que mais. A
Provaris Energy projetou um navio transportando gás hidrogênio a 250 bar. Mas
isso se traduz em apenas 25 quilos de hidrogênio por metro cúbico – pouco mais
de um terço da densidade volumétrica muito pobre do hidrogênio líquido.
Escalada para o tamanho de um Q-Max, sua nave carregaria cerca de um sétimo da
energia. Sete navios para fazer o trabalho de um, você pode imaginar o que isso
faz com os custos.
Pode haver algumas
aplicações de nicho para o transporte de hidrogênio gasoso, por exemplo, mover
suprimentos encalhados entre ilhas, mas isso não acontecerá em mais do que
quantidades homeopáticas.
Os exóticos
Existem outras
formas de transportar hidrogênio além do líquido e do gás. Falaremos sobre os
derivados do hidrogênio em um momento, mas primeiro quero lidar com os exóticos
– portadores de hidrogênio orgânico líquido (LOHCs) e hidretos metálicos. Aqui,
o objetivo é carregar o hidrogênio em um transportador químico ou metálico, o
que permite que ele seja transportado em temperaturas e pressões ambientes. Na
chegada, o hidrogênio é liberado e o transportador retorna ao ponto de origem.
Um LOHC promissor é
o benzil tolueno, sendo comercializado como uma solução para o transporte de
hidrogênio por uma empresa chamada Hydrogenious. Mas, novamente, há um problema
de densidade volumétrica. Um metro cúbico de benzil tolueno só pode ser
carregado com 54 quilos de hidrogênio – o que significa quatro vezes mais
viagens para cada carga de energia do que com GNL. Além disso, carregar
hidrogênio no solvente orgânico é um processo exotérmico, gerando calor onde
não é necessário, e então é preciso adicionar energia a 300°C no local de
chegada para extraí-lo – gastando cerca de 30% da energia fornecida.
Isso não quer dizer
que os LOHCs não sejam interessantes: eles talvez possam encontrar um papel no
armazenamento estacionário de longa duração - nem todos os lugares têm cavernas
de sal ou campos de gás esgotados necessários para armazenar hidrogênio gasoso,
mas qualquer fazenda de tanques seria capaz de lidar com benzil tolueno e pode
haver opções para armazenar e reaplicar o calor do processo entre os ciclos.
Pode até haver um modesto mercado de importação de LOHCs, para reabastecer os
tanques de armazenamento de longa duração.
Os hidretos
metálicos oferecem a esperança de transportar até duas vezes mais combustível
por metro cúbico do que o hidrogênio líquido - mas cada família de hidretos
estudada até agora mostrou desvantagens: custo, densidade gravimétrica, tempo
para carregar, capacidade de absorção, calor necessário para liberar o
hidrogênio e assim por diante. Seria um investidor corajoso quem pensasse que
iríamos transportar hidrogênio em escala dessa maneira, quando 50 anos de
pesquisa não resultaram em uma única aplicação comercial.
Primeiras
derivadas
Em seguida,
derivados de hidrogênio – e-metano, e-metanol. Estes são certamente mais fáceis
de transportar – substitutos de seus equivalentes fósseis. O problema deles é o
alto custo de produção. Para cada um deles, você precisa de uma fonte de
hidrogênio limpo – seja azul, verde, rosa ou vermelho (da energia nuclear,
qualquer que seja o código de cores que você usar) ou qualquer outro – além de
uma fonte de carbono próxima, e então você precisa combiná-los em moléculas de
vários graus de complexidade.
A fonte mais barata
de carbono seria capturada da combustão de combustíveis fósseis – mas isso não
faria sentido, pois não seria compatível com o zero líquido. A única coisa que
poderia fazer sentido seria usar a captura direta de ar (DAC) ou garantir o
carbono de uma fonte de base biológica, de modo que, quando queimado, ele
apenas retornasse à atmosfera.
Um pouco de
pensamento sistêmico, no entanto, mostra que mesmo isso não faz sentido. Tome
e-metano. Quando você tiver assumido o custo de garantir seu carbono, por que
não apenas sequestrá-lo, em vez de incorrer em custos adicionais na produção de
hidrogênio e combiná-los em seu derivado? Você poderia simplesmente entregar
gás fóssil antigo ao país importador – juntamente com um crédito de carbono, se
necessário. Isso seria idêntico do ponto de vista climático e muito mais
barato.
O metanol pode e
deve ser feito no futuro usando hidrogênio limpo. Parte dele será produzido
onde o hidrogênio é barato e exportado, mas apenas para casos de uso em que
será consumido como metanol. Em 2022, a produção global de metanol foi de 110
milhões de toneladas – mas ajustando para pesos molares, isso equivale a apenas
14 milhões de toneladas de hidrogênio. Se a demanda dobrasse e um terço fosse
comercializado internacionalmente, seria criado apenas um mercado de importação
de 9 milhões de toneladas por massa de hidrogênio. Isso mal arranha a
superfície dos 400 milhões de toneladas do Conselho de Hidrogênio.
O e-metanol também
representa um caminho potencial para descarbonizar o transporte marítimo – mas
a amônia e os biocombustíveis à base de resíduos parecem ser mais baratos.
Mesmo o uso de energia nuclear para os maiores navios do mundo provavelmente
seria mais barato do que o e-metanol. A demanda global de combustível para
navios hoje é de cerca de 300 milhões de toneladas por ano; vamos supor, com
otimismo, que a demanda aumente 50% até 2050, que 20% seja substituído por
metanol e um terço desse metanol seja comercializado internacionalmente. Depois
de ajustar a massa molar e o conteúdo energético do metanol, isso só criaria
uma demanda anual para mais 8 milhões de toneladas de importações de
hidrogênio.
E-combustíveis
Alguns continuam a
promover os e-combustíveis [produzidos a partir de fontes renováveis de
energia] como solução para o transporte terrestre, principalmente na Alemanha
e no Japão. Eles apontam para o fato de que tais combustíveis não exigem
mudanças no comportamento do consumidor, destacam os milhões de empregos que
dependem do motor de combustão interna e afirmam que a sucata de 1,4 bilhão de
veículos de combustão interna nas estradas do mundo seria muito custosa.
Seus argumentos não
têm mérito. Primeiro, esses 1,4 bilhão de veículos serão descartados de
qualquer maneira antes de qualquer ano que os países selecionem para zero
líquido. Na maioria dos casos, os veículos elétricos já são competitivos em
termos de custo total de propriedade com gasolina e diesel. Os e-combustíveis,
por outro lado, ainda serão três a cinco vezes mais caros em 2050,
impulsionados pela complexidade de produção e pelas perdas de eficiência em
cada estágio de produção. Sim, a Porsche está construindo um projeto piloto no
Chile para produzir e-combustíveis, mas a base de clientes deles não é
exatamente preocupada com os custos.
O fato é que os
empregos associados à fabricação de motores de combustão interna vão
desaparecer de qualquer maneira, a única questão é se eles serão perdidos para
outras tecnologias ou para a China. Quanto à mudança de comportamento, a
maioria dos usuários de veículos elétricos gosta do fato de poder carregar em
qualquer lugar, em vez de ter que ir a um posto de gasolina toda semana.
Voos de fantasia
Hora de mergulhar
fundo no uso potencial do hidrogênio na aviação. A Airbus disse que “considera
o hidrogênio um importante caminho tecnológico para alcançar nossa ambição de
trazer uma aeronave comercial de emissão zero ao mercado até 2035” e, neste
mês, a Rolls-Royce e a EasyJet foram notícia ao testar um motor turboélice de
hidrogênio puro.
Acontece que operar
um motor de avião com hidrogênio não é a parte difícil – a União Soviética fez
isso em 1988, não em uma bancada de testes, mas no ar. Os verdadeiros problemas
são causados, mais uma vez, pela física do hidrogênio.
Com apenas 25% da
densidade de energia do querosene, substituir a carga máxima de combustível de
decolagem para uma aeronave de longa distância exigiria mais espaço do que todo
o volume varrido de sua fuselagem – um fiasco. Para voos de curta distância,
foco de interesse da Easyjet, o tanque de combustível ocuparia cerca de um
terço da fuselagem. Isso significa preços de passagens 50% mais altos do que
agora, mesmo antes de pagar os custos mais altos do avião, o custo do hidrogênio
líquido e o custo do equipamento de assistência em terra. No total, espere uma
duplicação ou triplicação dos preços.
O verdadeiro
obstáculo, no entanto, é levar o combustível para o aeroporto. Existem linhas
de transferência de hidrogênio líquido, mas não há como manter quilômetros de
dutos a -253°C e lidar com as questões de segurança de possíveis vazamentos.
Restam caminhões-tanque ou gasodutos.
Vamos fazer um
experimento mental: tente substituir todas as 20.000 toneladas de combustível
de aviação entregues diariamente no aeroporto de Heathrow por 7.200 toneladas
de hidrogênio líquido. Por caminhão-tanque, isso significaria 2.300
movimentações diárias de hidrogênio líquido no oeste de Londres. As implicações
de segurança e tráfego não valem a pena pensar. Agora, a única opção é trazer o
hidrogênio pelo gasoduto e liquefazê-lo no local. Mas isso exigiria 2,7 GW de
energia elétrica, de acordo com o engenheiro e especialista em amônia da
Universidade de Oxford, Dr. Mike Mason – aproximadamente a produção de uma nova
usina nuclear do tamanho de Hinkley C, além de muitos postes. E então você
precisa despejar calor suficiente para aumentar a temperatura do Tâmisa em 18
graus C.
O ponto principal é
que o hidrogênio líquido talvez possa alimentar alguns jatos executivos – a
startup ZeroAvia certamente espera que sim – mas não a aviação como a
conhecemos. O único papel substancial do hidrogênio na aviação seria por meio
da produção de e-combustíveis. Estes são certamente tecnicamente viáveis – a
empresa britânica Zero Petroleum já fez alguns – mas parecem ser pelo menos
duas vezes mais caros que os combustíveis de aviação sustentáveis (SAF)
baseados em resíduos agrícolas ou florestais.
Se os volumes
potenciais de SAF forem limitados pela disponibilidade de matéria-prima, haverá
uma oportunidade de mercado para o hidrogênio em combustíveis de aviação; caso
contrário, não haverá. A demanda global de combustível de aviação foi de cerca
de 300 milhões de toneladas em 2019, o que se traduz em 46 milhões de toneladas
com base na massa de hidrogênio. Se a demanda cresce 50%, 25% são atendidos
pelo e-jetfuel e um terço disso é embarcado internacionalmente, o que gera
apenas 6 milhões de toneladas de hidrogênio comercializado.
Geme, geme, amônia
Isso nos leva,
finalmente, à amônia – a última opção para aqueles que esperam desenvolver
importações substanciais de hidrogênio de longa distância.
Cerca de 190
milhões de toneladas de amônia são produzidas a cada ano, principalmente para
fertilizantes e como matéria-prima química, quase toda a partir de
matéria-prima fóssil. Por aí 10 por cento da produção atual já é comercializada
internacionalmente, mas isso chega a apenas cerca de três milhões de toneladas
por massa de hidrogênio.
Mudar para amônia
limpa para a produção de fertilizantes sem dúvida levará a um grande aumento no
hidrogênio comercializado. Onde há gasodutos, o hidrogênio pode ser produzido
onde a energia renovável é barata e importada no lugar do gás natural e usada
para produzir amônia no destino. Onde não houver oleodutos, amônia verde ou
fertilizante acabado serão produzidos e enviados em seu lugar.
Supondo que o
mercado de fertilizantes cresça pela metade até 2050, todo ele seja de baixo
carbono e um terço acabe sendo embarcado internacionalmente, isso aumentaria o
comércio de amônia de 18 para 95 milhões de toneladas por ano – muita amônia.
Isso será um alívio para quem investe em projetos de amônia no Chile, Canadá,
Namíbia e África do Sul: sua produção pode não ter muito uso no setor de
energia, mas pelo menos eles devem ter acesso a um mercado muito importante. É,
no entanto, apenas 17 milhões de toneladas com base na massa de hidrogênio.
De volta ao envio
de combustíveis. Como a amônia será mais barata que o metanol, conforme
discutido, sejamos otimistas e digamos que metade dos volumes descritos acima
sejam substituídos por amônia, e um terço dela seja comercializado
internacionalmente. Isso geraria 25 milhões de toneladas adicionais de demanda
por massa de hidrogênio.
A grande aposta do
Japão
O Japão aposta que
a amônia importada será usada para gerar energia. Seu plano nacional de
descarbonização se baseia em manter suas usinas movidas a carvão, mas
alimentando-as com proporções crescentes de amônia – primeiro 20%, depois 50%,
depois 100% até 2050. Está tão confiante – e tão interessado em continuar
vendendo sua tecnologia internacionalmente – que está encorajando o Vietnã e
outros países do Sudeste Asiático a continuarem construindo usinas elétricas
movidas a carvão. Será que a aposta valerá a pena?
Vejamos primeiro a
amônia feita de hidrogênio verde. Isso significa gerar energia eólica e solar;
usá-lo para produzir hidrogênio (80% de eficiência); produção de amônia pelo
processo Haber-Bosch (70% de eficiência); liquefazendo-o (90% de eficiência);
enviá-lo (90% de eficiência); e queimá-lo para gerar energia (45% de
eficiência). Sua eficiência de ponta a ponta será surpreendentemente baixa de
20%. Embora seja possível melhorar a eficiência de cada estágio, a tirania de
várias etapas do processo significa que sua eficiência de ponta a ponta é
difícil de ceder.
O que 20% de
eficiência de ponta a ponta significa é que a energia resultante custará cinco
vezes mais que a energia original – e isso sem contar o capital investido em
todas as etapas do processo e manutenção. Além disso, a combustão de amônia
produz óxido nitroso – perigosos para a saúde e poderosos gases de efeito
estufa por si só.
Agora, amônia do
hidrogênio azul. Você elimina o estágio de eletrólise, então sua eficiência de
ponta a ponta é um pouco maior em 26%, mas você tem o custo extra de captura e
sequestro de carbono, então o custo de energia resultante será quase o mesmo. A
verdadeira questão, no entanto, é por que se preocupar? Por que não enviar
apenas gás natural para o Japão em vez de amônia – o GNL tem 1,7 vezes a
densidade de energia volumétrica da amônia, então você precisa de menos cargas.
Em seguida, você captura o CO2 na outra extremidade e o
sequestra ou o envia de volta ao ponto de origem nos mesmos navios. Você tem o
mesmo impacto climático, aproximadamente o mesmo custo de captura e sequestro
de carbono, mas eficiência significativamente maior e custos de transporte mais
baixos.
O resultado final
da amônia como combustível para geração de energia, seja ela co-incinerada ou
pura, é que nenhuma economia pode ser competitiva internacionalmente com base
nos preços de energia resultantes. Minhas estimativas estão alinhadas com o
trabalho de modelagem mais detalhado realizado pela BloombergNEF, esta descobriu
que 100% de energia movida a amônia no Japão custaria cerca de US$ 260 por
megawatt-hora em 2030 e US$ 200 em 2050 – cerca do dobro do custo da energia
renovável.
O fato de o Japão
poder gerar grandes quantidades de energia renovável – em particular, energia
eólica offshore – a um custo muito menor aponta para o papel que a amônia limpa
poderia de fato desempenhar no sistema de energia do país: fornecer backup.
Bill Gates gosta de citar Vaclav Smil sobre os ciclones de três dias que
atingem Tóquio quase todos os anos – o que interromperia a geração renovável e
a deixaria com menos de 22 GW de energia. Ele ri da ideia de que as baterias
poderiam preencher a lacuna resultante, e ele está correto em fazê-lo. No
entanto, a diferença é de apenas 1.600 GWh, que poderiam ser gerados a partir
de um milhão de metros cúbicos de amônia – uma quantidade que poderia ser
trazida em apenas quatro cargueiros do tamanho do Q-Max.
Portanto, embora
basear a economia do Japão na eletricidade gerada a partir de amônia importada
seja um fracasso econômico, armazenar alguns milhões de toneladas de amônia e
usá-la para armazenamento de longa duração parece muito mais realista.
Conclusões e
implicações
Esta foi uma longa
jornada e cobrimos muito terreno. Quero deixar algumas conclusões a título de
resumo.
A única maneira de
transportar o hidrogênio economicamente é como um gás, por pipeline. Esqueça o
hidrogênio líquido: ele lutará para encontrar qualquer papel nos futuros
sistemas de energia ou transporte por causa da sua baixa densidade de energia
volumétrica e dificuldades de manuseio. Não terá nenhum papel como mercadoria
negociada.
A amônia será
comercializada e transportada, principalmente para uso na produção de
fertilizantes, além de combustível para navios. Ele não será importado para
geração de energia em massa, mas será importado e armazenado para fornecer
armazenamento de longa duração. Alguns LOHC também podem ser importados, mas
apenas onde são armazenados para fins de resiliência.
O metanol limpo
será produzido próximo a fontes de hidrogênio limpo e barato e parte dele será
enviado ao redor do mundo para uso como matéria-prima química. Os
e-combustíveis – seja metanol, gasolina, diesel ou equivalentes a querosene –
não serão enviados ao redor do mundo em volumes significativos porque seu custo
limitará severamente sua absorção, com a possível exceção da aviação.
Somando os vários
fluxos futuros de comércio de hidrogênio cobertos aqui, fica claro que os
números do Hydrogen Council/McKinsey de 660 milhões de toneladas de produção de
hidrogênio limpo e 400 milhões de toneladas de transporte de longa distância
estão fora de um fator de pelo menos três. Além disso, dado que a China e a Índia
prometeram apenas zero líquido até 2060 e 2070, respectivamente, esses fluxos
que se materializarão levarão décadas além de 2050.
As implicações vão
muito além da questão do comércio internacional de hidrogênio e seus derivados.
O custo proibitivo das importações de longa distância significa que as
indústrias intensivas em energia irão inevitavelmente migrar para regiões com
energia limpa e barata. É inconcebível para qualquer país importar minério de
ferro da Austrália ou do Brasil, hidrogênio da Austrália, do Golfo, do Canadá
ou da África e produzir aço a um custo globalmente competitivo. O pensamento
mágico não será uma defesa contra a desindustrialização.
Finalmente, vale a
pena notar que nada disso põe em questão o fato de que o hidrogênio limpo será
necessário para descarbonizar certos setores, o que acabará gerando mais de 100
milhões de toneladas por ano de demanda. Assim como a mania das ferrovias
deixou o mundo com as ferrovias, a mania da eletricidade deixou o mundo com as
redes elétricas e a bolha pontocom deixou o mundo com a fibra de banda larga, a
mania do hidrogênio deixará o mundo com muito hidrogênio limpo.
A preocupação é
que, ao longo do caminho, vamos desperdiçar enormes quantias de dinheiro nos
casos de uso errados do hidrogênio e na infraestrutura errada nos lugares
errados. Pior do que desperdiçar dinheiro, também estaremos perdendo tempo – e
isso é a única coisa que não temos. Sejamos espertos.
Hora de parar para pensar.
Michael Liebreich é o fundador e colaborador sênior da BloombergNEF. Ele também é CEO e presidente da Liebreich Associates, sócio-gerente fundador da EcoPragma Capital e consultor da Junta Comercial do Reino Unido.
Sobre a Bloomberg NEF
A BloombergNEF (BNEF) é uma provedora de pesquisa estratégica que cobre os mercados globais de commodities e as tecnologias disruptivas que impulsionam a transição para uma economia de baixo carbono. Nossa cobertura especializada avalia caminhos para os setores de energia, transporte, indústria, construção e agricultura se adaptarem à transição energética. Ajudamos os profissionais de comércio de commodities, estratégia corporativa, finanças e políticas a navegar pelas mudanças e gerar oportunidades.